quarta-feira, 9 de julho de 2008

Kambô, a ciência do sapo

Várias pessoas já haviam me falado do tal kambô, a vacina do sapo Phyllomedusa bicolor (veja reportagem na revista Globo Rural). Eu já estava atrás dele na prática e nos pensamentos, e nestes tempos em que tudo que pensamos se realiza, bastou pensar: o kambô chegou diretamente do Acre e veio na minha direção. Foi durante a breve passagem de um peregrino do Juruá pelo Rio de Janeiro, no festejo de São João. Sabe aquele hino? "É numa noite de São João que vamos se transformar?” Pois é! Me transformei mesmo: em sapa.


A aplicação começa com as queimaduras com cipó em brasa... são feitos pontinhos - no braço para os homens e nas pernas para as mulheres. Foram 5 furinhos: tsc, tsc, tsc, tsc, tsc. Doeu um pouco! Suportável! Depois coloca-se a secreção do sapo em cima dos furinhos: aí dói bastante! Daí pouquíssimos minutos, você começa a sentir o veneno indo direto na corrente sanguínea; o coração dispara fazendo tudo ficar bem diferente. Achei que fosse morrer nesse primeiro momento, fiquei com muito medo. Mas aí rezei pro sapo me ajudar, confiei no poder e tudo deu certo. É claro que coloquei tudo o que podia pra fora, sentia o gosto da bílis e conseguia sentir os olhos e os lábios bem inchados. A sensação não é das melhores não, mas depois de um breve sono eu estava nova em folha pronta pro trabalho e me sentindo como um carro novo:0 Km! Um pouco inchada ainda. Mas feliz!

A reação violenta da vacina dura mais ou menos cinco minutos. Nesse tempo, o coração dispara, o sangue corre acelerado nas veias, a pressão cai ou sobe muito, a pessoa pode ficar tonta ou nauseada. É o organismo reagindo ao mal-estar e colocando tudo para fora, através de vômitos fortes ou diarréias. Mas também há relatos de pessoas que não passam por
nada disso. Em qualquer caso, depois de uns minutos os sentidos voltam ao normal. A pessoa se sente leve, limpa, disposta, de bem com a vida. Depois de 30 minutos da aplicação, a pessoa já está apta para suas atividades normais.

Tem gente que não encontra lógica nisso, mas a resina do kambô contém substâncias de efeitos analgésicas (a dermorfina e a deltorfina) e antibióticas que atuam no fortalecimento do sistema imunológico, destruindo microorganismos patogênicos e provocando a produção de anticorpos contra o veneno no organismo. Em mim resolveu uma gripe que já vinha persistindo, mas já se comenta o grande poder do kâmbo no tratamento do mal de Parkinson, AIDS, câncer, depressão e outras doenças.

Na floresta Amazônica o kambô é visto como medicina, remédio que traz felicidade para quem o toma. A explicação, segundo a cultura indígena, é que o kambô tira a 'panema', a tristeza, a falta de sorte, a irritação, o baixo astral: a tiriça como se diz lá na minha terra.


Reza também a lenda que ajuda os índios á atrair a caça, pois quem toma kambô emite um tipo de luz verde que curiosamente atrai. Os índios também acreditam que o kambô atrai as mulheres, desentope as veias do coração fazendo circular a emoção, o sentimento e o amor.

Hoje apenas 13 etnias indígenas brasileiras usam a vacina, três estão na região do Alto Juruá: os Kaxinawás, os Ashaninkas e os Katukinas. Existem variações nos rituais e nos nomes dados ao sapo verde. Os Katukinas, no entanto, tem maior afinidade com o Kambô, "tomando-o" mais vezes que as outras etnias e têm sua identidade marcada diretamente por essa prática. Os Katukinas tomam até 100 pontos em uma única aplicação e se aplicam em diferentes épocas do ano, durante toda a vida, não há restrições e as crianças começam a tomar kambô a partir dos dois anos, quando acaba o período de amamentação. Há também o uso caboclo do Kambô, realizado pelos seringueiros acreanos que aprenderam estes conhecimentos com os índios.


Por sua coloração, os sapos Kambôs se parecem com folhas, não são fáceis de encontrar. Vivem nas proximidades dos igarapés e costumam “cantar” anunciando a chuva, são extremamente venenosos e não reagem à captura, como se não tivessem predadores, pois seu veneno os torna intragáveis. A coleta da substância da rã é feita sem machucá-la, no tempo certo e na lua certa. Uma ciência!

O tratamento é composto de três aplicações com intervalo de 30 dias para cada aplicação. No uso caboclo, o tratamento básico é de três doses, em intervalos de tempo que variam segundo o nível de desenvolvimento da pessoa com o kambô. O primeiro tratamento é de três meses, são três doses crescentes (por exemplo: 5, 7 e 9 pontos) de 28 em 28 dias, de preferência das luas nova e minguante. Em seguida, após pelos menos seis meses da última aplicação do primeiro tratamento, pode-se fazer um segundo, agora de 15 em 15 dias, com doses crescentes menores (por exemplo: 3, 5 e 7). Também se fazem tratamentos de 7 dias (todas as luas menos a cheia) e de 3 dias seguidos, combinadas com mudanças alimentares (dieta sem sólidos e sem sal) e o uso da ayahuasca.

Outra diferença interessante: tanto os Katukinas como os caboclos pedem que se faça uma dieta de sólidos e de sal de pelo menos 12 horas. Mas, os índios ingerem uma grande quantidade (3 a 5 litros) de caiçuma de milho durante a noite, antes de tomar kambô; os caboclos prescrevem apenas 2 litros de água pura poucos minutos antes da aplicação.

Foi uma experiência marcante demais, depois da primeira vez achei que nunca mais ia fazer isso de novo, mas agora eu penso em fazer assim que surgir uma nova oportunidade, para dar continuidade no tratamento.


Mas um mistério da natureza!!! Para saber mais sobre o kambô visite o site Biopirataria na Amazônia.

Um comentário:

Rob disse...

Moro em Curitiba. Onde posso experimentar?